“Sacerdote ergue a taça convocando toda a massa, nesse evento que congraça gente de todas as raças numa mesma emoção. Essa Kizomba é a nossa Constituição”.
Recebo com alegria e sentimento de responsabilidade a indicação do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP, que desde o ano de 4 2005 conta com o patrocínio da Petrobrás, para receber no ano da graça de 2010 o Prêmio Camélia da Liberdade que tem por finalidade reconhecer iniciativas baseadas nas Ações Afirmativas no horizonte da inclusão social de negros e afro-descendentes. O slogan do projeto é: “Ação Afirmativa, Atitude Positiva”. A Camélia traz consigo a força simbólica da luta abolicionista no Brasil.Nessa perspectiva, são contemplados empresas, universidades, veículos de comunicação, instituições e personalidades que se destacam na luta pela igualdade racial no Brasil e pela constituição de uma pátria efetivamente democrática. O prêmio possui não só um caráter de reconhecimento público, mas também de incentivo a fim de que todos os que lutam pela superação das desigualdades raciais em quaisquer esferas da vida social revigorem seus ânimos, esforços e estratégias.
Situo o recebimento do prêmio no contexto do Ano Sacerdotal (2009-2010) em que toda Igreja católica procura refletir e aprofundar a identidade do ministério sacerdotal no mundo contemporâneo. Como sacerdote há 15 anos da Arquidiocese do Rio de Janeiro, incluo na premiação, de modo especial, todos os irmãos de sacerdócio que sempre mantiveram, desde a formação no seminário, a ousadia de se organizar a fim de refletir e entabular uma prática pastoral no horizonte da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.
Logo que cheguei ao seminário fui convidado a participar do Grupo de Apoio Pastoral – GAP, criado por seminaristas que, seguindo o exemplo dos quilombos, reuniam-se periodicamente no sonho audaciosos de uma Igreja comprometida com a libertação dos empobrecidos. Buscava-se também troca de experiências com companheiros de dioceses irmãs (Caxias, Volta Redonda e Nova Iguaçu). Nesse Grupo, a questão da identidade negra sempre se colocou como questão de fundamental importância. Não é preciso dizer o risco que se corria considerado a postura vincadamente oposta da gestão diocesana. Mas, ainda assim, construímos uma história de resistência e criatividade. Este período foi fundamental em minha formação e também em minha toma de consciência a cerca da negritude.
Essa atrevida utopia acompanhou-me no mundo Acadêmico. No Mestrado em Teologia (Puc/RJ), defendi a dissertação intitulada: “Cristianismo e Candomblé: Duas Mistagogias em Confronto”, sob orientação do dr. Pe. Mario de França Miranda (Mistagogia = conduzir ao Mistério). Refleti sobre a possibilidade efetiva de um diálogo positivo do Cristianismo com o Candomblé sob o marco de experiência religiosa. Na graduação em Psicologia (Puc/RJ) escrevi o trabalho monográfico: “Roda de Samba e Mandala: Uma leitura possível à Luz da psicologia analítica”, sob orientação do Prof. Dr. Álvaro Gouveia. O objetivo sobre a Roda de Samba enquanto fator de integração e equilíbração psicológica construída na afro-brasilidade. Na pós-graduação em psicologia no Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação – IBMR, fiz o trabalho monográfico intitulado: “Exu: Arquétipo do Inconsciente Coletivo”, sob orientação do Prof. Dr. Walter Boechat. Neste trabalho refleti sobre a figura mítico-religiosa de Exu como fator psicológico fundamental para o desenvolvimento da personalidade segundo acepção junguiana (processo de feitura do livro). Na pós-graduação em História da África e no Negro no Brasil (Candido Mendes), fiz o trabalho de conclusão do curso intitulado: “Africano vive pela boca: O valor fundamental da oralidade na tradição africana”.
No ano do centenário de Dom Helder Câmara (2009) idealizei o “Fórum Dom Helder: Fé e Diálogo – Da intolerância ao Diálogo com as religiões afro-brasileiras”. Neste mesmo ano comecei, juntamente com o Fórum Dom Helder e a Paróquia de Santa Bernadete, a estabelecer com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro – CCIR, sob direção do Babalawo Ivanir dos Santos (Interlocutor), um dialogo de parceria. A CCIR tem o louvável mérito de democratizar o dialogo inter-religioso; de torná-lo um assunto não apenas relegado a peritos ou autoridades eclesiásticas, mas num direito e num dever de todos. Dialogo feito Caminhada!
Desta forma, acolhemos com imenso jubilo a premiação e manifestamos nosso reconhecimento de louvor pelo trabalho desenvolvido pelo CEAP no resgate da cidadania e na luta persistente por uma democracia racial de fato e de direito no Brasil.
Hoje, participando da CCIR com o Fórum Dom Helder e Membros da Paróquia Santa Bernadete, onde atuo como pároco, creio que a referida premiação “Camélia da Liberdade” contempla todos aqueles (clérigos e laicato) que nas margens diocesanas foram e são impelidos, na força quilombola do Espírito, a gestar sonhos e práticas a partir das senzalas.
Vale afirmar, ainda, que o Prêmio maior ultrapassa a história, é invisível aos olhos e não se pode traduzir em palavras! O Prêmio maior vem de Deus! O Prêmio maior é o próprio DEUS!
Pe. Gegê
“... A marcha final vai ser linda de viver.Mas é importante, Mariamma,
que a Igreja de teu Filho ano fique em palavras,
não fique em aplausos.
É importante que a CNBB embarque de cheio
na causa dos negros,
como entrou de cheio na Pastoral da Terra e
na Pastoral dos Índios.
Não basta pedir perdão pelos erros de ontem!
É preciso acertar o passo de hoje
sem ligar ao que disserem.
... Problema de negro acaba se ligando
com todos os problemas humanos.
Com todos os absurdos contra a humanidade,
com todas as injustiças e opressões...
Basta de escravos!”
Dom Helder Câmara.
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